quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Aquela manhã



Estava sol, como em quase todas as manhãs daqueles cinco meses. Tinha deixado os estores mais abertos do que o normal e o sol iluminava o quarto já despido das minhas coisas. Seria a última vez que acordaria naquele quarto rodeado pelo fundo do mar. Sempre quis ter um quarto com o fundo do mar, não podia ter havido melhor altura. A cama já não tinha a minha colcha, a parede já não tinha as minhas fotografias, era só o mesmo quarto a que tinha chegado cinco meses antes. Já deixara de ser meu e estava quase preparado para um próximo ocupante, apenas as duas malas gigantes abertas no chão acusavam a minha presença.
Acordei minutos mais cedo do que pretendia com um telefonema que me prendeu áquela cidade durante mais umas horas, enquanto combinávamos encontrar-nos no aeroporto. Fui, pela última vez, á minha casa-de-banho e tomei o pequeno-almoço, pela última vez, na minha varanda, tão alta, tão privilegiada, enquanto olhava, pela última vez, a minha vista, tentando ser crescida. Chamei um táxi e esperei.
Cheguei ao aeroporto e fui logo fazer o check-in. As malas ultrapassavam o peso, mas como era dia dos namorados o senhor deixou passar. A Ale, a Ste, o Javi e o Mimmo chegaram. Sentámo-nos num café com assuntos triviais, com planos de encontros próximos. Eu era a primeira a deixar aquela cidade e aquelas vidas que tinhamos construído ali, aquelas amizades tão genuínas, tão simples. Falar da minha partida obrigava todos a aceitar que as suas também chegariam. Era tão fácil dizer que iamos manter contacto, que nos iamos ver tantas vezes.
A hora chegou. Em palhaçadas fomos nos carrinhos até onde eles não podiam ir mais. O nó na garganta era grande demais para deixar as lágrimas passarem, mas os nossos olhares não mentiam, estávamos tristes e só enganávamos a tristeza com sorrisos de esperança. Cada passo, enquanto me afastava, era um esforço.
O avião estava quase vazio, tão silencioso. Sentia-me adormecida, baralhada, triste. Deitei-me nos três bancos vazios e dormi. Não olhei pela janela para ver a vista de Lisboa, não queria estar ali. Nem o sol que se fazia sentir por cá ajudava. Não fazia sentido estar aqui. Não fazia sentido estar de volta a casa e sentir-me deslocada. Há poucas horas atrás estava em minha casa e agora nunca mais lá voltaria. Estava de volta, mas em pedaços.
Aos poucos fui-me reconstruindo até ficar mais completa do que antes. Mas por muito triste que seja voltar, vale sempre a pena ir.

5 comentários:

Deb disse...

Se vale a pena...
Nao ha duvidas.
A minha ultima manha naquela minha casa tambem tem todos os pormenores desenhados na minha memória, assim como a primeira manha e 1001 momentos cruzados. É a nossa conquista posta entre parentesis, sem nos dar hipotese de viver mais um bocadinho daquilo. Nao ha hipotese de repetir, de reviver. Só de relembrar, tenuamente.
Ainda hoje isso me aperta o coracao, ainda hoje sei que nao seria capaz de voltar a Leipzig tao cedo.
A tua Barcelona certamente te mostrou aquilo que me tem vindo a ser mostrado, eu que me atrasei por mais uns meses. Aos poucos tentamos voltar a ter uma consistencia homogénea, sem esta divisao entre duas casas. Passou - e temos de ir em frente...
Uma coisa é certa. Os parentesis podem ser retirados de uma frase, mas quando lá ficam, alteram-lhe o sentido. Ou enriquecem-no.
E se assim nao fosse, os parágrafos que se seguiram na minha vida nao teriam nunca na vida voltado a sentir este cheiro da europa central... o cheiro da liberdade, das ambicoes, do amor à vida. E tao longe de casa. Irónico, nao?
Tenho a certeza que ainda vamos partilhar juntas muitas destas sensacoes!
(Despacha-te! Estou à vossa espera.)

Javi disse...

Olà!

Me alegra saber que hemos seguido en contacto como acordamos, es fácil echar de menos a las personas con las que compartimos esos momentos!

Rp disse...

Tá bonito o texto rapariga, muito sentimental. Transparece o que vocês erasmus sentem no regresso lol.
Já ouve outros que me contaram o mesmo por outras palavras!
Beijinhos telefonista

Anónimo disse...

O Governo quer proibir a importação, reprodução e criação de cães de sete raças consideradas perigosas. Se não concordas com estas medidas á uma PETIÇÃO ON-LINE para assinares.

Anónimo disse...

Menina gosto muito deste texto, mas já está na hora de colocares algo novo, certo? ;) Beijinhos*