quarta-feira, 4 de julho de 2007

Tardes de estudo, II

E se for um faz de conta? Uma daquelas histórias escritas por um compositor que dão origem a uma canção com que tantas pessoas se identificam mas que o autor nunca viveu? Ou a fantasia daquele encontro que imaginamos vezes sem conta, planeamos ao pormenor, e quando acontece é totalmente espontâneo? Ou aquela sensação de déja-vu, já vi isto noutra vida, como se o destino nos quisesse dizer algo mas que não passa de um fenómeno físico? E se for só isso?

O cenário não é importante. Ou talvez seja, de certeza que é, mas não tanto quanto se poderia supor. Foi só mais uma desculpa.
Acordou diferente, como se a sua vida tivesse mudado, como se todo o mundo tivesse mudado, só por aquele sonho que lhe dizia
- Conheceste alguém especial, ontem á noite,
alguém em quem quase não tinha reparado, com quem nem teria falado se não estivesse frio.
Não associou. Seguiu a sua vida, ignorando o que lhe era dito. Passaram-se dias, meses, anos, naquela semana. Quando se voltaram a ver nem se apercebeu que foi com ele que sonhara, pouco se lembrava daquela cara, daquela voz. Com o soltar da noite deixou-se conquistar por aquele sorriso lindo e sincero, por aquela mão grande e forte estendida que a salvava de uma vida de enganos, que, lentamente, a puxava para a superfície.
Despediram-se como quem se conhece há anos.

Ele olhou para ela com aqueles olhos que a fazem viajar, com aquele olhar que lhe entra na alma e derruba qualquer defesa, qualquer barreira, que a faria rir á gargalhada ou chorar profundamente se se permitisse, se por uma vez se deixasse ir. Sente que ele a conhece como nunca ninguém a conheceu, que a vê como nunca ninguém a viu.
Fez uma trança no cabelo, como se quisesse pentear para fora de si aqueles pensamentos, mas um
- Linda,
completamente espontâneo, completamente imprevisível, deixou que lhe escapasse pelos olhos tudo o que não queria que ele lesse, não percebendo que ele já tinha lido, ele já sabia muito antes de ela saber.
Despediram-se como quem anseia pelo reencontro.

Decidiu ignorar, afastar-se, ficar longe dele, não se aproximar (eu sei, estou a repetir-me). Mas inconscientemente, despropositadamente, inocentemente, incontrolavelmente, já caminhavam lado a lado, afastados de todos. Ele tocava-lhe só com o respirar e nunca ninguém a tocara assim. Olhavam para o mundo de sorrisos abertos como se tudo o que interessasse naquele momento não fosse encontrado apenas um no outro. Tentavam disfarçar, mais ela que ele. Mexia no cabelo, tentava ocupar as mãos só para, por segundos, se concentrar em mais qualquer coisa que não nele, que não naquele momento. Um momento pelo qual ás vezes se espera uma vida, ali estava, maior do que ela. Não ouvia nada a não ser o coração bater e a respiração dele ali tão próxima. Por vezes tocavam-se, num sem-querer propositado, os braços roçavam, o cabelo dela batia-lhe no ombro. De costas para ele podia sentir, mais forte do que qualquer toque, o olhar dele a percorrer-lhe o corpo, as mãos a contorná-lo afastadas um palmo. Finalmente, um dedo desliza pelo braço dela, ela finge não sentir mas o arrepio que a percorre denuncia-a.
Despediram-se como quem não se quer separar.

Ele procurou os olhos dela quando a ouviu chegar. Ela olha-o como quem já tem toda a certeza num infinito de dúvidas. As mãos tocam-se quando escusado, os corpos aproximam-se mais do que o essencial, os olhares tímidos que trocam falam com toda a frontalidade, já sem o pudor que os lábios insistem em manter. Num repente que demora eternidades o mundo são eles. Não há tempo, nem espaço, nem nada. Escondem-se na liberdade que sentem, procuram-se no que encontraram, encontram-se no que procuravam mesmo sem o procurar. Ele leva-a a sítios que ela ignorava existirem, alguns dentro dela. Fá-la conhecer-se, encontrar-se, assustar-se com esta falta de controlo que nunca tinha sentido antes. Coisas pequenas ganham um significado imenso: o toque dum pé debaixo da mesa, um dar de mãos atrás das costas, escondido, um abraço inesperado, um beijo inesquecível, um convite, uma noite.
Despediram-se.

5 comentários:

Anónimo disse...

opahhhh! GOSTEI TANTO do que me escreves-te no comentário. Olha fiquei logo com um sorriso enorme e uma lágrima ao canto do olho :')

e só quero acrescentar que acho que escreves mesmo bem, adorei, adorei este teu post, está DELICIOSO :D coisa boa ;)*

bjinhos*

Anónimo disse...

Está um belo início de romance, um amor a primeira vista perfeito :) descreveste muito bem o que é o encanto, cumplicidade e vá...um bocadinho de paixão :D, parabens! ;)

Anónimo disse...

Sem comentários my darling. Parecem-me desnecessários, até porque já ouviste bem a minha opinião!
Mas adorei a maneira como descreveste tudo!

Anónimo disse...

É só leres o TEU texto para teres as respostas a todas essas dúvidas na tua cabecinha....!! Está clarinho clarinho...

E já agr... belo texto!
BJ

Anónimo disse...

E acaba sempre com despedidas.. acho que devias tentar outro final!